A mortalidade e a brevidade da vida sempre incomodaram o ser humano. Logo, uma figura que atravessa a eternidade ocupa a essência de nossos sonhos e superstições. Há séculos, lendas de vampiros ou desmortos fazem parte do folclore europeu, muito antes que o escritor irlandês Abraham Stoker (1847 – 1912) as usasse como matéria-prima de seu mais famoso romance: “Drácula”, publicado originalmente em 1897. A esses mitos e superstições, Stoker fundiu a figura histórica do príncipe romeno Vlad Tepes que governou a região da Valáquia, atual Romênia, combatendo os invasores turcos com requintes de crueldade notória. Vlad, o empalador, fincava uma estaca de madeira no peito de seus inimigos e bebia seu sangue. A mente criativa de Stoker soube unir todos esses elementos na figura de Drácula, nome da família de Vlad, ligada à Ordem do Dragão – linhagem religiosa do auge do Império Romano. Contudo, o livro de Stoker não foi, como muitos pensam, o primeiro livro sobre vampiros. Antes dele houve “Vampyre” (1819) de John Polidori e “Carmila” (1871) de Sheridan Le Fanus. Drácula, no entanto, sobressaiu-se graças à forma como Bram Stoker conduziu sua história: Sua narrativa é toda em primeira pessoa através de cartas e diários pertencentes aos personagens humanos que giram em torno do vampiro : o advogado Jonathan Harker, sua noiva Mina, o Dr. Seward, Quincy Morris, e é claro, o Professor Abraham Van Helsing entre outros cujos pontos de vista direcionam a visão do leitor. As palavras de Stoker são embebidas de uma inusitada credibilidade e apurada descrição da região em que Drácula vive, apesar de seu escritor nunca ter visitado o Leste Europeu onde fica a Transilvânia. Para a sociedade reprimida do final do século XIX, a mordida do vampiro funcionava como perfeita metáfora para o orgasmo e o prazer ilimitado, associada a perversões e à sexualidade exacerbada capazes de se espalhar por entre os mortais. Logo, o vampiro não apenas desafiava a ordem natural da vida e da morte, mas também a conduta moral de toda uma sociedade. Essas subleituras enriqueciam a história de Drácula e o cinema não demorou a enxergá-las como uma bela fonte de adaptação.
Em 1922, dez anos depois da morte de Bram Stoker, o diretor alemão F.W. Murnau tentou mas não conseguiu os direitos de adaptação da viúva Florence Stoker. Assim, Murnau modificou os nomes dos personagens e realizou “Nosferatu” com Max Shreck como o vampiro, o conde Orlock. Além de mudar os nomes, Murnau transformou o vampiro de uma figura sedutora em um ser repulsivo e assustador graças a uma eficiente maquiagem que eclipsou o rosto do ator Max Shreck, tornado anônimo para as gerações que se seguiram, o que levou ao curioso filme “A Sombra do Vampiro” (Shadow of a Vampire) de 2003, o qual teorizava que Shreck era um vampiro de verdade. A viúva de Stoker processou Murnau e conseguiu a ordem judicial que recolheu todas as cópias de “Nosferatu” – claro que nem todas. O filme de Murnau foi redescoberto muito tempo depois e alçado ao status de clássico do expressionismo alemão, e para muitos a melhor versão de “Drácula”, ainda que não oficial.
Bram Stoker – Pai da Criatura
Anos depois do filme de Murnau, a obra de Stoker era um sucesso nos palcos londrinos em uma adaptação escrita por Hamilton Deane, desta vez com o consentimento da família de Stoker. A montagem da peça foi levada até a Broadway por John Balderstone trazendo o ator húngaro Bela Lugosi no papel central. Os direitos de filmagem da peça foram comprados pela Universal, que contratou o diretor Tod Browning. Este queria Lon Chaney como Drácula, mas a morte do homem das mil faces (como era conhecido Chaney) levou Tod a contratar Lugosi que já estava acostumado ao personagem. A caracterização de Lugosi lançou as bases para o imaginário popular: o terno e capa preta de acordo com sua condição aristocrática, os cabelos penteados para trás, o olhar hipnótico (realizado com um feixe de luz lançado diretamente sobre seus olhos) e o forte sotaque em falas marcantes como “Ouça-os, crianças da noite !”. O visual impressionante deixava, no entanto, de fora as famosas presas do vampiro, deixando para a voz e o olhar de Lugosi a função de assustar as plateias. “Drácula” foi feito em 1930 e lançado no dia dos namorados do ano seguinte. Uma versão em espanhol, visando o mercado latino, foi filmada por George Melford nos mesmos cenários que o filme de Browning, apresentando Carlos Villarias no lugar de Lugosi. A carreira de Lugosi ficou estagnada após Drácula, caindo no ostracismo e relegado a papeis inexpressivos em filmes cada vez menores. Tempos depois foi resgatado por Ed Wood (considerado o pior cineasta do mundo), vindo a falecer em 1956, aos 73 anos e sendo sepultado com a capa do personagem que marcou tanto sua carreira. Lugosi, no entanto, se projetou para a eternidade e virou até música, a hipnótica “Bela Lugosi is dead”, da banda pós punk Balhaus, e que foi usada, em 1982, na trilha sonora do filme “Fome de Viver” (The Hunger), de Tony Scott, uma modernização do mito sobre vampiros. Dois anos depois da morte de Lugosi, o personagem é reinventado para a geração seguinte com a atuação hipnótica e sedutora do ator inglês Christopher Lee em “Drácula – O Vampiro da Noite” (Dracula), dirigido por Terence Fisher.
Dracula & Van Helsing :Amigos na vida real, rivais nas telas
O filme, produzido pela Hammer Films, foi um sucesso apesar de novas liberdades serem tomadas em relação ao livro de Bram Stoker como nunca mostrar Drácula envelhecido no início da história; ou Mina que é retratada no filme como esposa de Arthur e sem relação direta com Jonathan Harker, que no filme vai ao castelo do conde ciente de sua natureza malévola e com intenção de destruí-lo. A Hammer acentuava o lado sensual do vampirismo, bem como caprichava na cenografia gótica. Apesar das mudanças, Lee tornou-se icônico no papel mesmo tendo apenas 13 falas em todo o filme. Sua atuação é estilosa, equilibrando sua pose aristocrática com feições de puro terror, realçadas pelo vermelhão nos olhos e pelas presas salientes, pela primeira vez exibidas de forma ameaçadora . Ao seu lado, o ótimo Peter Cushing como seu nêmesis, o Professor Van Helsing. Nos Estados Unidos, o filme foi rebatizado de “Horror of Dracula”, para evitar confusão com o filme de Lugosi. Lee repetiu o papel mais 7 vezes: Seis pela Hammer, entre 1958 e 1973, e uma na produção alemã de 1970, dirigida por Jesus Franco, e que ainda trazia no elenco Klaus Kinski, antes deste encarnar o vampiro na refilmagem de “Nosferatu”. O filme de Franco tem o mérito de ser o primeiro a mostrar Drácula como um homem velho que vai rejuvenescendo a medida que bebe sangue, como no livro. Lee constantemente reclamava de estar cansado do personagem e eventualmente parou de interpretá-lo, porém ficou marcado no imaginário popular através de incontáveis reprises na TV, que fez de Lee o intérprete mais prolífico e popular do personagem. A década de 70 ainda teve Jack Palance em uma versão para a Tv dirigida por Dan Curtis em 1973, roteirizada por Richard Matherson, a violenta versão produzida por Andy Warhol em 1974, entitulada “Blood for Dracula” com o ator alemão Udo Kier como o vampiro e William Marshall em “Blácula”, onde um príncipe africano torna-se a versão blackexploitation do personagem. Em alguns dias aguarde a segunda parte desse artigo. Dracula will rise back!!!