CAÇADORES DOS CLÁSSICOS PERDIDOS: O FINO DA VIGARICE

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             Há filmes que merecem o status de clássico mas que são menos badalados seja pelos críticos ou pelo grande público que desconhece sua existência, principalmente aqui no Brasil, que reprisam exaustivamente alguns filmes em detrimento de outros que não alcançam o mesmo espaço na Tv ou nos lançamentos de home vídeo (dvd, blu ray), desprezados até mesmo pelas plataformas de streaming como Netflix. Em resumo, há verdadeiras pérolas ignoradas por todos mas que ainda possuem seus fãs, aqueles com boa memória, cinéfilos de carteirinha assinada que chamo pelo título da coluna que agora inicio no blog. Periodicamente estarei revendo alguns desses tesouros e trazendo para cá sua lembrança e para começar um exemplar de humor raro nas produções atuais, “O Fino da Vigarice”.

FINO DA VIGARICE

        Foi o primeiro roteiro escrito pelo dramaturgo Neil Simon (O Estranho Casal, Descalços no Parque) que serviu de veículo para a versatilidade insana de Peter Sellers (1925/1980), na época já célebre por suas atuações em filmes como “A Pantera Cor de Rosa” (Pink Panther) de 1963 e “Dr.Fantástico” (Dr.Strangelove) de 1964. O diretor italiano Vittorio De Sica (1901/1974) se interessou pelo projeto que enxergou como um veículo para fazer uma crítica social, lembrando que foi ele um dos que deram o pontapé inicial para o Neo-realismo em 1949 com “Ladrões de Bicicleta” ( Ladri di Biciclette) e pelo qual ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro.

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        A história é sobre Aldo Vanucci, vulgo “A Raposa”, um notório ladrão internacional e mestre nos disfarçes, desafiado a roubar uma grande remessa de ouro que atravessa uma pequena cidade italiana. Para alcançar seu objetivo, Aldo se faz passar por um renomado diretor de cinema (parodiando Fellini) que chega a Sevalio, uma cidade pequena na costa, para rodar um filme, conseguindo atrair Tony Powell (Victor Mature), um famoso galã e até mesmo o apatetado chefe de polícia (Lando Buzzanca). A premissa do filme dentro do filme antecipa a missão diplomática disfarçada no Irã, que aconteceu nos anos 70 e gerou o filme “Argo” (2012).

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BRITT EKLAND & PETER SELLERS

        O papel de Aldo “Raposa” Vanucci caiu como uma luva no camaleônico Peter Sellers que também assumiu a função de co-produtor junto a John Bryan. O astro, no entanto, era uma pessoa muito difícil e coleciona-se histórias de bastidores em que Sellers simplesmente infernizava a vida dos diretores, e com De Sica não foi diferente. Curioso que foi o próprio Sellers quem trouxe o diretor italiano para o projeto, mas durante as filmagens fez de tudo para demiti-lo alegando “Ele pensa em italiano, e eu em inglês”. Também foi Sellers quem convenceu Victor Mature (1913/1999), que estava afastado das telas, a ficar com o papel de Tony Powell. O elenco ainda incluiu Britt Ekland, na época casada com Peter Sellers, como Gina, a irmã de Aldo, Lydia Brazzi, esposa do ator Rozanno Brazzi, como Mama Vanucci, Akim Tamiroff (1899 / 1972), ator de origem russa, como Okra – o chefão do crime, Martin Balsam como Harry – empresário de Tony e a voluptuosa Maria Grazia Bucella, ex miss Italia, como uma das meninas de Okra. O diretor, que enxergava na história uma crítica de como a ambição corrompe a arte,  faz uma aparição no filme rodando uma produção bíblica de onde Aldo rouba os equipamentos de filmagem.

                        O clima de pilantragem do filme seria um mote bem explorado em outras produções de sucesso como “Golpe de Mestre” (The Sting) de 1973 e “Os Safados” (Dirty, Rotten, Scondrels) de 1988. “O Fino da Vigarice”, no entanto, é divertido mas irregular em sua narrativa, resultado dos cortes que desagradaram o roteirista. O montador de confiança do diretor não entendeu o humor do texto de Simon e isso é visível a medida que se aproxima o desfecho e o golpe é descoberto. De acordo com o site imdb, mesmo quando o filme foi remontado a pedido de Simon, por Russell Lloyd – montador de John Houston, várias sequências haviam se perdido como Sellers personificando os Beatles.

           Uma das últimas vezes que lembro do filme ter sido exibido na Tv brasileira foi no Corujão da Rede Globo no inicio dos anos 90, quando o impagável Sellers, embalado pela trilha sonora de Hal David e Burt Bacharach, divertiu mais uma vez os cinéfilos que tentaram pegar aquela raposa.

GALERIA DE ESTRELAS : RITA RAYWORTH

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            Me apaixonei por Rita Hayworth em dois filmes, seu papel como a sedutora Dona Sol em “Sangue & Areia” (Blood & Sand) e a musa Terpsichore em “Quando os Deuses Amam” (Down to Earth). De fato, faz-se juz a frase que acompanhou um de seus maiores êxitos “Nunca houve uma mulher como Rita Hayworth”, que há 30 anos nos deixou.

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GILDA

              Somente quando me tornei adulto assisti “Gilda” (1945), papel título que interpretou ao lado de Glenn Ford, um dos 3 filmes que fizeram juntos, o papel de uma mulher infiel, sedutora ao extremo e que imortalizou a sequência de um streaptease somente insinuado, mas que arrancou suspiros dos homens de seu tempo. Margarita Carmen Cansino (1918 – 1987) tinha um notável sex appeal, um sorriso cativante e generosas curvas que lhe conferiram o apelido de “deusa do amor”. Nascido em talentosa família, seu pai era um dançarino espanhol que iniciou os primeiros passos de Rita que aos 12 anos já se juntava ao seu pai nos palcos. Em um desses espetáculos foi descoberta por um figurão da Fox que lhe ofereceu um contrato já aos 16 anos. Assinando como Rita Cansino ficou no estúdio por cinco filmes e durante esse tempo casou-se aos 19 anos com o empresário Edward Judd, que a levou à Columbia Pictures onde mudou seu sobrenome para Hayworth e mudou seu cabelo. Emprestada à Warner, fez “Uma Loira com Açucar” (The Strawberry Blonde) em 1941 trabalhando ao lado de James Cagney e Olivia DeHavilland. DE volta a Columbia estrelou “Ao Compasso do Amor” (You’ll never get rich) brilhando como o par de Fred Astaire ao lado de quem voltou a trabalhar em “Bonita como Nunca” (You were never lovelier). Rita foi uma elegante e charmosa parceira para a classe de Astaire, mas também acompanhou os passos atléticos e sensuais de Gene Kelly em “Modelos” (Covergirls) de 1944.

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MODELOS

      Um anos antes casou-se com Orson Welles que desconstruiu sua imagem, tosando-lhe as belas madeixas  no obscuro “A Dama de Shanghai” (The lady from Shanghai) de 1947. O curto relacionamento com Welles lhe deu seu primeiro filho, mas alguns anos depois seu fim favoreceu o romance com o príncipe Aly Khan, que se tornou seu terceiro marido. Muito antes de Grace Kelly, foi Rita a primeira atriz a se tornar uma princesa de verdade. Mas não abandonou o cinema, mesmo com o nascimento de sua filha Yasmin, e em 1953 viveu o papel da princesa judia “Salomé”.

RITA SORRISO

QUANDO OS DEUSES AMAM

              Nesse mesmo ano divorciou-se de Khan e sua carreira estagnou. Ainda brilhou ao lado de Frank Sinatra e Kim Novak, nova estrela da Columbia,  em “Meus Dois Carinhos” (Pal Joey) de 1957. Paralelo a sua carreira, sua vida pessoal também parecia declinar em maios dois casamentos, nenhum deles lhe trazendo a felicidade pretendida. Costumava dizer “Os homens se deitam com Gilda, mas acordam comigo.” Esteve ao lado de John Wayne em “O Mundo do Circo” (Circus World) de 1964, de Anthony Quinn em “O Heroico Lobo do mar” (L’avventuriero) de 1965 mas seu prestígio e glamour pareciam não mais encantar as plateias dos anos 60 e veio a fazer seu último filme “A Divina Ira” (The Wrath of God) em 1972, quando estava com 54 anos. Sua saúde já mostrava sinais de problemas quando em 1980 foi diagnosticada com Alzeihmer, mal que na época pouco se sabia a respeito e que tomou sua vida até 14 de maio de 1987, aos 68 anos. O mundo chorou então a perda da deusa Hawyworth, que fosse em preto e branco ou cores ensinou o mundo que sedução e graça nos movimentos tem a mais ver com que se sugere do que o que se mostra. No fim, sempre fomos seus súditos bela Rita, e eu ainda gostaria de estar na pele de Tyrone Power, que em “Sangue & Areia” esteve a seus pés.  Ainda a tempo, em 1983 a atriz Lynda Carter (a Mulher Maravilha da TV) interpretou Rita Hayworth em um filme de TV.

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SANGUE & AREIA : AQUI EU QUERIA SER TYRONE POWER

ESTREIAS DA SEMANA: 22 DE JUNHO

MEUS 15 ANOS

meus 15 anos

Bra 2017. Dir: Carolini Fioratti. Com Larissa Manoela, Rafael Infante, Bruna Tatar, Anitta, Bruno Peixoto. Comédia.

A jovem Bia não é nem um pouco popular na escola. Seus pais planejam uma festa de 15 anos e convidam todos para transformar sua filha na estrela da noite. Larissa Manoela começou a carreira da atriz nas novelas “Carrossel” e “Cúmplices de um Resgate”, no SBT, alcançando grande popularidade, e agora protagoniza seu primeiro filme.

O CIRCULO

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(The Circle) EUA 2017. Dir: James Ponsonldt. Com Emma Watson, Tom Hanks, Karen Gillian, John Boyega, Bill Paxton, Gleanne Headly. Suspense.

Jovem (Watson) é contratada para o trabalho de seus sonhos, em uma empresa de tecnologia chamada “O Circulo”. A principio entusiasmada, ela vem a descobrir uma trama conspiratoria que envolve quebra de sigilo e invasão de privacidade. O filme adapta o livro de Dave Eggars, que também co-roteirizou o filme junto ao diretor. A história chega em momento oportuno em que a tecnologia parece não respeitar a privacidade e a individualidade. Foi o ultimo filme dos atores Bill Paxton e Gleanne Hedley, recentemente falecidos.

ESTREIAS DA SEMANA : 15 DE JUNHO

BAYWATCH 

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(Baywatch) EUA 2017. Dir: Seth Gordon. Com Dwayne Johnson, Alexandra Daddario, Zac Efrom, David Hasselhof, Pryanka Chopra, Pamela Anderson, Kelly Rorhback. Ação.

Entre 1989 e 2001, uma das séries mais populares era “Baywatch” – aqui chamada durante um tempo de S.O.S Malibu, quando estreiou pela Rede Globo. O filme, assim como na série, gira em torno de uma equipe de salva-vidas unindo esforços para resgatar banhistas. Em 1996, a série chegou a entrar para o livro Guiness de Recordes como a série mais assistida no mundo (lembrando que era um mundo pré-Netflix), com 1,1 bilhão de telespectadores. O personagem de Dwayne Johnson, Mitch Buchanon (na série interpretado por David Hasselhoff – alguem lembra dele de “A Super Máquina”?) é o salva vidas experiente que precisa da ajuda do jovem Matt Brody (Zac Effron), todo se querendo, para investigar um crime, relacionado às atividades de uma perigosa traficante de drogas. Os apelidos que Mitch usa para se referir a Matt (Biber, One Direction) foram todos sugeridos pelo próprio Zac Efrom. As cenas de ação estão bem diluídas em humor, e aí reside a falha do filme … o excesso de piadas que se por um lado confere ao filme um tom despretensioso, por outro disafarça mal um roteiro mais raso do que piscina de criança. O carisma de Johnson em cena é indiscutivel, mas mesmo o ator não consegue salvar o conjunto da obra. Aos antigos fans da série fica a presença em cena de David Hasselhoff e Pamela Anderson em rápidas aparições.

COLOSSAL

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(Colossal) EUA 2017. Dir: Nacho Vigalondo. Com Anne Hathaway, Jason Sudeikis, Tim Blake Nelson, Dan Stevens.Ficção Cientifica

Mulher sofre série de infortunios em sua vida pessoal e deixa a cidade de Nova York para recomeçar a vida, mas desconfia que há uma estranha criatura mimetizando seus movimentos e ações. De volta à sua cidade natal, em Seul, Coreia, ela descobre que o futuro da raça humana depende de sua habilidade para evitar uma grande catástrofe envolvendo a citada criatura. O filme foi lançado no Festival de Toronto em setembro do ano passado, e foi rodado durante o segundo trimestre de gravidez da atriz Anne Hathaway.

UM TIO QUASE PERFEITO

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Bra 2017. Dir: Pedro Antonio. Com Marcus Majella, Leticia Isnard, Ana Lucia Torre, Bia Montez, Eduardo Galvão. Comédia.

Tony (Majella) vive de bicos e trambiques para sobreviver. Quando é despejado, vai parar na porta da irmã (Isnard) que não vê durante muito tempo. Como esta ficou sem babá para cuidar dos filhos, o tio sem noção resolve ajudar. O filme lembra um pouco a premissa de “Quem ve cara, não vê coração” (Uncle Buck) de 1989, no qual John Candy vive um personagem similar. Marcus Majella, de “Vai que Cola”, faz um papel divertido, de humor demolidor.

TUDO E TODAS AS COISAS

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(Everything, everything) EUA 2017.Dir: Stella Maghie. Com Nick Robinson, Amandla Steinberg, Taylor Rickson, Ana de la Reguera. Drama

Jovem de 18 anos sofre de uma alergia acentuada que a mantem com serie de restrições com o mundo exterior. Quando ela se apaixona pelo vizinho, decide explorar o mundo a sua volta mesmo que isso custe sua vida. Adaptado do livro de Nicola Yoon, o filme busca em seu publico o romance entre pesoas que precisam desafiar o impossivel, no estilo dos romances de John Green e Nicholas Sparks.

CLÁSSICO REVISITADO: 0S 30 ANOS DE “DIRTY DANCING – RITMO QUENTE”

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         Recentemente a ABC levou ao ar nos Estados Unidos um remake do clássico “Dirty Dancing” com o desconhecido Colt Pratter e Abigail Breslin (Pequena Miss Sunshine) nos papeis que pertenceram respectivamente a Patrick Swayze (1952 – 2009) e Jennifer Grey. Há quase 30 anos, o filme dirigido por Emile Ardolino fez todos balançarem ao som de “I’ve had the time of my life”, e hoje a ouvimos emocionados com a saudade de Swayze, e daquele verão romântico de 1963.

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              A história do filme foi escrita com  base nas memorias da roteirista Eleanor Bergstein, que nos anos 60 passou um tempo em um resort nas montanhas Catskill (no estado de Nova York) onde o professor de dança Johnny Castle (Swayze) se envolve com a jovem Frances “Babe” Houseman (Grey). Assim como esta, Eleanor vem de um família judia cujo pai era médico e o apelido Babe também usara até completar 22 anos. O filme desenvolve sua narrativa a partir da chegada de Babe e sua familia ao mesmo tempo em que Penny (Cynthia Rhodes), a parceira de dança de Johnny, engravida de um dos garçons e faz um aborto que quase a mata, mas que faz todos pensarem que é culpa de Johnny. Como Penny não pode mais prosseguir com os ensaios para a apresentação, Babe a subsititui.

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Ninguem coloca Babe de lado !!!

             Embora a quimica entre Swayze e Grey seja parte essencial do encanto do filme, nos bastidores o casal central não compartilhava o mesmo sentimento. Os atores já se conheciam quando filmaram juntos “Amanhecer Violento” (Red Dawn) de 1984, e não tinham se dado nada bem. Quando foram escolhidos para estrelar “Dirty Dancing”, Swayze precisou convencer Jennifer Grey, então com 27 anos e fazendo papel de uma adolescente. O diretor Emile Ardolino, que havia ganhado o Oscar de melhor documentário em 1983, precisou de um esforço conjunto com  Eleanor para acalmar as insatisfações mútuas dos protagonistas. Na cena em que Swayze, por exemplo, desliza os dedos pelas axilas da atriz, que genuinamente começava a rir, despertando a impaciência do experiente bailarino que Swayze era.  Este fazia sua próprias cenas sem dublê, incluindo a sequência do tronco sobre o lago, gravado sob as baixas temperaturas das águas locais apesar do filme, rodado durante o outono, se passar no verão. O filme alcançou grande popularidade na época de seu lançamento, tendo sua trilha sonora alcançado alta vendagem na época misturando antigos hits dos anos 60 com a belíssima “She’s like the wind”, cantada e co-escrita pelo próprio Patrick Swayze, e – claro – a dançante e oscarizada “I’ve had the time of my life”, um dueto da cantora Jennifer Warner com Bill Medley, que nos anos 60 foi parte dos Righteous Brothers. Esta empolga o ato final quando a inocência de Johnny (também injustamente  acusado de roubo) é provada e este volta ao resort a tempo de puxar Babe para o palco. A fala “Nobody puts Babe in a corner” foi transformada em título de uma canção da banda “Fall out Boy”.

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              Esqueça a sequência “Dirty Dancing – Noites de Havana” de 2004, bem como a refilmagem recente da ABC. O filme de 1987 ainda é pura magia em qualquer reprise e um deslumbre para os olhos a dança final de Swayze e Grey. Romantico na medida certa para quem quiser tentar erguer a parceira como na imagem. Ninguem põe Babe de lado, e ninguém conseguiria ser tão majestoso quanto Patrick Swayze.

 

 

UNIVERSO DE MONSTROS 2: AS MUMIAS -DE KARLOFF A BOUTELLA

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BORIS KARLOFF – 1932

         A cultura egípcia sempre alimentou a curiosidade  de historiadores e arqueólogos na mesma medida que estimulou a imaginação humana acerca de maldições milenares que caem sobre os profanadores de túmulos, o que o cinema logo tratou de se apropriar. Quando Boris Karloff  (1887 – 1969) interpretou o sumo-sacerdote Imhotep no clássico “A Mumia” (1932), haviam passado dez anos desde que os arqueólogos Howard Carter e Lord Carnarvon haviam descoberto a tumba do rei Tutancâmon.

            O roteirista John L.Balderston, a partir da história de Nina Putnam e Richard Schayer, criou um sub-gênero que seria explorado com sucesso pela Universal, o estúdio de Carl Laemmle Jr que alcançara anos antes sucesso com as adaptações literárias de “Dracula” e “Frankenstein” (1931). A política de Laemmle era custo baixo, muita sugestão para despertar sustos. Em “A Mumia” (The Mummy), o diretor Karl Freund, que fora fotografo em clássicos como “Metropolis” (1922) e “Dracula” (1931), usa e abusa das técnicas expressionistas das quais era um mestre. A maquiagem de Jack Pierce (também vindo de “Frankenstein”) demorava cerca de oito horas para transformar Karloff em uma múmia desperta pelas palavras mágicas do livro dos mortos. Contudo, em seu despertar, pouco é mostrado e em um salto no tempo Karloff surge como Ardath Bay, manipulando a descoberta do túmulo de sua amada Aucksonamon. Karloff pouco fala, mas seu olhar ameaçador assusta ainda mais. O nome de Imhotep foi tirado do arquiteto que criou as pirâmides, e muito longe de ser um sacerdote amaldiçoado, gozava de prestígio abaixo apenas dos faraós.

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CHRISTOPHER LEE EM “A MUMIA DE ANANKA”

             Oito anos depois a Universal decidiu fazer outro filme, mas Karloff não retorna como Imhotep. Assim, o estúdio faz a primeira de várias reinvenções da história, trocando Imhotep por Kharis, a múmia guardiã da princesa Ananka em “A Mão da Múmia” (The Mummy’s Hand). Jack Pierce volta como maquiador transformando Tom Tyler (ator de antigos westerns e serials) na nova criatura egipicia. Nesta nova série, a múmia ganha como algoz a figura do arqueólogo John Banning que antagonizará o mal representado por Kharis. A este se seguiram mais três filmes “A Tumba da Mumia” (The Mummy’s Tomb) de 1942,”A Sombra da Mumia” (The Mummy’s Ghost) de 1944 e , no mesmo ano que este, “The Mummy’s Curse”, todos com a múmia sendo interpretado por Lon Chaney Jr, que tornou-se o único ator a ter já interpretado todos os monstros clássicos da Universal : O Lobisomem (1941), o monstro de Frankentein (The Ghost of Frankenstein) e Dracula (The Son of Dracula) de 1943. A máscara usada pelo ator é exibida até hoje na exposição de terror do Museu em Seattle.

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VALERIE LEON EM “SANGUE NO SACORFAGO DA MUMIA”

            Apesar da comédia “Abbot & Costello meets the Mummy” de 1955, o público foi perdendo  interesse  no monstro, a medida que os estúdios entraram os anos 50 explorando discos voadores e monstros do espaço. Coube à produtora inglesa Hammer Films trazer de volta o personagem em “A Mumia de Ananka” (The Mummy) de 1959 com Christopher Lee no papel de Kharis. As cores e a presença magnética de Christopher Lee garantiram o êxito dessa retomada inglesa realizada em acordo com a Universal International. Na década de 60 ainda teríamos “A Maldição da Mumia” (The Curse of the Mummy’s Tomb) de 1964, “A Mortalha da Mumia” (The Mummy’s Shroud) de 1967 e “Sangue no Sacorfago da Mumia” (Blood from the Mummy’s Tomb) de 1970, este último adaptado de “The Jewel of the Seven Stars”, de Bram Stoker, com a beldade Valerie Leon no papel de uma rainha egícpica do mal possuindo o corpo (e que corpo) da filha do arqueólogo. Todos esses filmes foram constantemente exibidos na TV brasileira durante as décadas de 70 e 80 perpetuando a atmosfera B dos filmes da Hammer. Na década de 80 tivemos nossa múmia brasileira no terrir “O Segredo da Mumia”, de Ivan Cardoso (1982) que deu a Wilson Grey, ator típico das chanchadas da Atlântida, seu primeiro papel de protagonista depois de décadas de contribuição ao cinema brasileiro.

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IMHOTEP (ARNOLD VOSLOO EM “A MUMIA”) DE 1999

                Quando a Universal decidiu refilmar “A Mumia” em 1999 sabia-se que o público não iria mais se assustar com um monstro enrolado em ataduras, andando devagar atrás das pessoas. Assim, o diretor Stephen Sommers transformou a história de Imhotep em uma aventura movimentada como Indiana Jones. O sucesso, que teve Brendan Fraser, Rachel Weisz e Arnold Vosloo como Imhotep, levou em pouco tempo à sequencia “O Retorno da Mumia” (The Mummy Returns) de 2001 que, alguns não lembram foi o debut cinematográfico do hoje astro Dwayne Johnson, este no papel do escorpião rei. Ainda houve o tardio “A Mumia: A Tumba do Imperador Dragao” (2008), muito fraco e já sem nenhum atrativo para manter o interesse do público com uma incursão pela China (lembrando que os chineses não mumificavam seus mortos). Mesmo com a inclusão do popular astro de artes marciais Jet Li, o filme deixa a desejar.

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SOFIA BOUTELLA

            A nova versão do monstro com Sofia Boutella e Tom Cruise mostra que o antigo Egito continuará a assombrar as telas com suas maldições, mas muito longe de chegar perto da inocente medo que figuras como Karloff, Chaney e Lee conseguiram imprimir na memória do cinema, em preto em branco ou em cores, mas empoeirado com milênios de tradição do que já foi o horror nas telas.

IN MEMORIAN : ADAM WEST

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MINHA MÁSCARA E CAPA JÁ SE PERDERAM FAZ MUITO TEMPO. EU TINHA UNS NOVE OU DEZ ANOS E VIVIA PULANDO NO SOFÁ DE CASA, SOCANDO AS ALMOFADAS COMO SE ESTAS FOSSEM O CORINGA OU O CHARADA E BEIJANDO UMA OUTRA COMO SE FOSSE A JULIE NEWMAR. CERTAS COISAS NÃO SE ESQUECEM E A INOCÊNCIA DE OUTRORA CULTIVAMOS EM NOSSA MEMORIA AFETIVA. DIGO ISSO PORQUE ESTOU MUITO TRISTE COM A MORTE ANUNCIADA ONTEM DO ATOR ADAM WEST, O BATMAN DE MINHA, DE NOSSA INFÂNCIA. SANTA SAUDADE DESSE ATOR QUE DURANTE UM LONGO TEMPO FOI A ENCARNAÇÃO DO CRUZADO EMBUÇADO IMAGINADO POR BOB KANE. A SÉRIE DE TV PRODUZIDA DE 1966 A 1968, EMBALADA PELO CONTAGIANTE TEMA DE NEAL HEFTI, FOI LEVADA AO CINEMA EM 1967 COM A DUPLA DINÂMICA ENFRENTANDO QUATRO DOS SEUS PRINCIPAIS VILÕES: O CORINGA DE CESAR ROMERO, O CHARADA DE FRANK GORSHIN, O PINGUIM DE BURGUESS MEREDITH E A MULHER GATO, ESTA INTERPRETADA POR LEE MERIWETHER JÁ QUE JULIE NEWMAR NÃO ESTAVA DISPONIVEL PARA AS FILMAGENS. VI  FILME NO CINEMA, UMA DE SUAS REPRISES JUSTIFICADA PELO INCRIVEL APELO QUE A SÉRIE PRODUZIDA POR WILLIAM DOZIER MANTEVE AO LONGO DAS DÉCADAS. POW! CRASH! BOOM! AQUELAS ONAMOTOPEIAS GIGANTESCAS NA TELA COM CORES BERRANTES, TUDO BEM CAMP, DIVERTIDO E PARA SEMPRE EM NOSSOS CORAÇÕES. FAÇA A PASSAGEM E PAZ, ADAM, MEU HERÓI.

ESTREIAS DA SEMANA: 8 DE JUNHO

A MUMIA

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(The Mummy) EUA 2017. Dir: Alex Kurtzman. Com Tom Cruise, Sofia Boutella, Annabelle Wallis, Russell Crowe. Terror.

A clássica história de uma múmia milenar do antigo Egito que desperta e espalha morte e terror no mundo é recorrente desde o filme homônimo estrelado por Boris Karloff em 1932, refilmado várias vezes inclusive pela prestigiosa Hammer que trouxe Christopher Lee no papel central. Foram várias sequências e imitações, sendo a refilmagem de 1999 com Brendan Fraser uma das mais divertidas. A Universal realiza este reinicio com a intenção de iniciar um universo compartilhado de monstros com refilmagens dos icônicos Lobisomen (talvez com Dwayne Johnson), Homem Invisivel (anunciado com Johnny Depp) entre outros. A presença de Russell Crowe como Dr.Jekyll, do clássico “O Médico & O Monstro”, aponta a interligação entre os eventos desse filme e outros que se anunciam para breve. A personagem título é a princesa Ahmanet (Boutella), acidentalmente desperta de seu sono milenar por Nick Morton (Cruise), escolhido por ela para fazer parte de uma vingança que pode destruir o mundo. O site Rotten Tomatoes deu 27% de aprovação apontando falhas nas pretensões do roteiro de introduzir novos filmes de monstros. O filme chega ao Brasil um dia antes de sua estreia nos Estados Unidos.

 

UNIVERSO DE MONSTROS

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         Quando Criança meu universo compartilhado de monstros era assistir a sitcom “The Munsters” (1964-1966) que trazia Fred Gwynne e Yvonne DeCarlo como um simpático casal, ele a criatura de Frankenstein e ela uma vampira, filha do próprio Drácula, um vovô bonachão, interpretado por Al Lewis. Tempos mais inocentes quando os monstros clássicos dos filmes de terror já não assustavam tanto. Nos primórdios do cinema, no entanto, a casa destes era o estúdio da Universal que tornou-se especialista em dar forma aos pesadelos do inconsciente humano.

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FRANKENSTEIN ENCONTRA O LOBISOMEN

            A frase “Bem vindo a um mundo novo de deuses e monstros” que agora anuncia a chegada do “Dark Universe” do estúdio na verdade é uma retomada pois o estúdio, na ativa desde a era do cinema mudo, já investira no passado na ideia de um universo compartilhado. Nomes como Lon Chaney (pai e filho), Boris Karloff e Bela Lugosi formavam um elenco talentoso na arte de explorar o medo, mais sugerido que explicito. Entre 1923, data da primeira filmagem de “O Corcunda de Notre Dame” com Lon Chaney até o final da década de 50, o Universal Studios chefiada por Carl Laemmle soube se especializar em filmes de custo baixo mas que davam grande retorno de bilheteria durante os loucos anos vinte (os chamados roaring twenties) criando uma reputação que continuou a explorara em meio aos difíceis anos da grande depressão que se seguiu. A Universal foi o primeiro estúdio a investir em sequências, muitas das vezes reaproveitando cenários, tomadas e falas, se beneficiando do talento desses atores, diretores como Tod Browning e James Whale e da habilidade do maquiador Jack Pierce para moldar personagens saídos dos pesadelos mais sombrios. A Universal deu vida a Drácula, Frankenstein, lobisomem, múmia e várias outras criaturas que se popularizaram com um público que encontrava deleite nas sombras da alma humana representadas em preto e branco, herdeiros das lições do expressionismo cultivadas por Murnau e Lang.

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A CASA DE FRANKENSTEIN

          A ideia de juntar mais de um monstro em um único filme surgiu quando, depois de 4 filmes de Frankenstein (os três primeiros com a criatura interpretada por Boris Karloff) o roteirista Curt Siodmark sugeriu ao produtor  George Wagner que fizessem “Frankenstein meets the Wolfman”, recebendo sinal verde para o projeto que veio a ser dirigido por Roy William Neill e lançado em 1943. O filme mostra Larry Talbot (Lon Chaney Jr) procurando uma cura para sua maldição e se confrontando a criatura de Frankenstein interpretada por Bela Lugosi, que fica em cena apenas por pouco mais de cinco minutos sendo ocasionalmente substituido por um dublê devido a problemas de saúde. O filme funcionou como uma sequência tanto para os eventos mostrados em “O Lobisomen” de 1941 como em “A Alma de Frankenstein” (The Ghost of Frankenstein) de 1942. Para atrair o público, o estúdio anunciou o nome de Lon Chaney, sem o Jr, para confundir a todos já que o nome de Lon Chaney pai (falecido em 1930) ainda era então extremamente conhecido. A ideia inicial era de ter Chaney filho fazendo tanto o papel do lobisomen como do monstro de Frankenstein, mas deixada de lado já que falamos de décadas anteriores à tecnologia digital. O resultado satisfatório animou a Universal a reunir mais monstros, o que levou à realização de “A Casa de Frankenstein” (The House of Frankenstein) de 1944. Neste novo exemplar, Boris Karloff retorna ao universo de monstros mas como o cientista louco que manipula Dracula (John Carradini), o monstro de Frankenstein (o ex cowboy Glenn Strange) e o Lobisomen (Chaney Jr) para se livrar de seus desafetos. Originalmente, a múmia Kharis seria incluída no filme, mas por motivos de orçamento ficou de fora. Mesmo as cenas com Drácula acabaram sendo filmadas em separado sem que este contracenasse com o lobisomen de Chaney e o Frankenstein de Strange. O filme ainda incluiria a figura do corcunda apaixonado (J.Carrol Nash) por uma dançarina cigana (Elena Verdugo) emulando a narrativa de “O Corcunda de Notre Dame”, embora não sejam os mesmos personagens. A Segunda Guerra se aproximava de seu fim, mas o público vivia a incerteza desta e de suas consequências. O ciclo da Universal oferecia a catarse ideal para esse medo real, palpável e o estúdio soube como tirar proveito disso levando a “A Casa de Drácula” (The House of Dracula) de 1945 reunindo esse “Nightmare Team” uma última vez, desta vez sem Karloff que teve o personagem substituído por outro cientista, o Dr.Edelmann (Onslow Stevens) a quem Drácula e Larry Talbolt procuram em busca de uma cura. O filme incluiu uma novidade na figura de uma mulher corcunda, Nina (Jane Addams). O filme também marcou a última aparição de Lon Chaney Jr sob contrato com a Universal, embora o ator tenha voltado ao papel mas na comedia “Abbot & Costello Meet Frankenstein” (1948) que reuniria além do próprio Bela Lugosi como Dracula e Glenn Morgan como Frankenstein.

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A CASA DE DRÁCULA

         Quando a década de 50 chegou o interesse dos estúdios passou a ser filmes de monstros do espaço e discos voadores, o que deixou os monstros clássicos de lado mas não esquecidos graças à iniciativa da Universal de levá-los para a Tv como um pacote de filmes  que foi apresentado a uma nova geração de jovens que redescobriu os mestres do pavor sobrenatural. Provando que estes sempre renascem, o estúdio promete novas versões em filmes interligados, reintroduzindo o conceito para uma geração acostumada a jogos de vídeo game e filmes de super heróis. Como promete o slogan, um mundo – não tão novo assim – de deuses, monstros e efeitos digitais modernos.

CRÍTICA: MULHER MARAVILHA

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NÃO É EXAGERO: “MULHER MARAVILHA” É O FILME QUE A DC/WARNER PRECISAVA E O QUE OS FÂS QUERIAM. O ROTEIRO DE ALLAN HEINBERG E A DIREÇÃO DE PATTY JENKINS CONSEGUEM EXTRAIR O QUE HÁ DE MELHOR EM 76 ANOS DE HISTÓRIAS DESSA PERSONAGEM ICÔNICA CRIADA PELO DR. WILLIAM MOIULTON MARSTON. ENGOLI MINHAS PALAVRAS POIS QUANDO GAL GADOT FOI ANUNCIADA COMO A HEROÍNA REAGI COMO MUITOS COM REJEIÇÃO IMEDIATA. NÃO PODERÍAMOS ESTAR MAIS ERRADOS ENTÃO: O OLHAR DE GADOT TRANSMITE A INOCÊNCIA INICIAL DA PERSONAGEM EM SUA JORNADA NO MUNDO DOS HOMENS, MAS TAMBÉM SE CONECTA COM O PÚBLICO NA HORA DE MOSTRAR PORQUE É A DEFENSORA DE QUE O MUNDO PRECISA. A SEQUÊNCIA NO FRONT DE BATALHA VALE PELO FILME INTEIRO EM TERMOS DE AÇÃO. SUA QUÍMICA COM CHRIS PINE CONDUZ A NARRATIVA COM HUMOR EQUILIBRADO, ROMANCE E LUTA. O FILME É REDONDO, SEM FALHAS E PODE AGRADAR TANTO AOS LEITORES DE HQ COMO AOS QUE BUSCAM UM BOM ENTRETENIMENTO. DIVIDIDO EM TRÊS ATOS: A INFÂNCIA E TREINAMENTO NA ILHA DE THEMYCIRA, A CHEGADA EM LONDRES E O CHOQUE CULTURAL INERENTE, E FINALMENTE A BATALHA COM OS ALEMÃS. CADA CENA CONDUZ À OUTRA ENTREGANDO UMA HISTÓRIA QUE CONSEGUE SEGURAR O INTERESSE E ELEVÁ-LO ATÉ O ESPERADO CONFRONTO COM ARES, O DEUS DA GUERRA. O ANTAGONISMO MOSTRADO BEBEU DA FONTE DA FASE ESCRITA E DESENHADA POR GEORGE PEREZ QUE REAPRESENTOU A HEROINA PARA O PUBLICO LEITOR DOS ANOS 80, MAS TAMBÉM HÁ PASSAGENS NO ROTEIRO DA RECENTE FASE DE BRIAN AZZARELLO E CLIFF CHIANG. RECOMENDO E REAFIRMO, O FILME DE HEROINA DE QUE PRECISAVAMOS, COM A MENSAGEM EXATA DE O MUNDO JÁ VIVEU GUERRAS DEMAIS E AMOU DE MENOS. EM TEMPOS DE DONALD TRUMP. É BOM UMA HEROINA NOS LEMBRAR PELO QUE VALE A PENA LUTAR.