BEST – SELLERS : VICTOR FRANKENSTEIN : O PROMETEU DE MARY SHELLY REVISITADO

Karloff moves.gif             Uma das obras mais revistas, constantemente adaptadas e readaptadas para diversas  mídias, foi escrita em circunstâncias inusitadas : No verão de 1816, Mary Shelley viajou para o campo com seu marido, o poeta Percy Shelley, e Lord Byron, amigo do casal. Isolados do mundo externo devido a chuva, o trio combinou que cada um escreveria um conto de terror. Assim nasceu a história de “Frankenstein”, que encorajado por Percy, foi de um conto a um romance que viria a ser publicado em 1818.

Frankenstein 1910

FRANKESTEIN DE 1910

A ficção de Shelley sobre um cientista que arrogantemente se coloca como Deus ao recriar a vida possui contornos filosóficos que extrapolam os limites físicos de suas páginas. No romance, Shelley não é detalhista com a criação do monstro, lembrando que a ciência rudimentar do século XIX não trazia elementos suficientes para embasar a reanimação de um corpo. O choque elétrico gerado por uma noite de tempestade foi liberdade poética tomada pela adaptação cinematográfica. Mesmo a descrição física da criatura é vaga no livro e coube ao maquiador Jack Perkins elaborar o visual que se fixou no imaginário popular: Corpo descomunal e desajeitado, cabeça achatada com cicatriz enorme na testa, eletrodos nas laterais do pescoço e botas pesadas retardando os movimentos. Outra diferença entre o livro e os filmes, em geral, é que a criatura literária é inteligente e articula bem as palavras, enquanto que o cinema costuma retratá-la como um ser privado de raciocínio, reagindo apenas instintivamente. De qualquer forma, a essência do personagem do monstro é fundamentada na ideia do bom selvagem conforme escrito pelo filósofo francês Jean Jacques Rosseau. A criatura não “nasce” má, mas a hostilidade da sociedade direciona suas reações em vingança e retaliação, principalmente depois de ser rejeitada pelo próprio criador. Tais questões sempre ficaram em segundo plano nas adaptações em favor da criação de uma dimensão de terror e morbidez. As sub-leituras, no entanto, resistem e perduram, razão pela qual a obra de Shelley já foi tantas vezes levada para outras mídias, principalmente depois de ter caído em domínio público. Mais ainda interessante é que a obra de Mary Shelley ganhou na posteridade um status metonímico já que, apesar de Frankenstein ser o sobrenome do cientista criador, ficou associado eternamente ao monstro, este nunca nomeado pela autora. No livro o cientista se chama Victor e não Henry Frankenstein como retartado no filme de James Whale.

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BORIS KARLOFF

AS ADAPTAÇÕES.

A primeira adaptação de “Frankenstein” para o cinema ocorreu ainda no período do cinema mudo, em 1910, produzida pela produtora de Thomas Edison (o inventor da lâmpada), dirigida por J.Searle Dawley e com o ator Charles Ogle no papel do monstro. O filme de 16 minutos é uma raridade que ficou perdida por muito tempo até que uma cópia foi encontrada em Wiscosin em meados da década de 70. A criação do monstro é mostrada de forma atípica: Produtos químicos e poções são misturados para seu nascimento. O efeito foi conseguido queimando um boneco e rolando o filme de trás para a frente. Mais curioso ainda é o fim do monstro, que simplesmente desaparece no ar!! Cinco anos depois, a obra foi disfarçadamente adaptada em “Life without a soul” de Joseph W. Smiley como forma de burlar os direitos autorais, assim como F.W.Murnau fez com seu “Nosferatu”, adaptação de “Drácula”. A criatura foi uma elogiosa atuação do hoje desconhecido Percy Darrel Standing. Ainda houve no período uma versão em italiano em 1920 chamada “IL Monstro di Frankenstein”. A versão mais prestigiada da obra de Shelley foi realizada pela “Universal”, um estúdio menor na época que havia conseguido grande sucesso com o “Drácula” de Bela Lugosi. Um roteiro preliminar foi planejado para ser dirigido por Robert Florey (Os Assassinos da Rua Morgue) e repetindo Bela Lugosi no papel do monstro, e com roteiro supostamente fiel ao livro. O projeto foi cancelado em favor de uma versão embebida de atmosfera expressionista e conduzida tal qual um pesadelo com direção de James Whale e com Boris Karloff (então um ator de segundo escalão) como o monstro. Na época de sua realização a censura Hollywoodiana caiu pesado em cima do filme de Whale, que chegou aos cinemas com cortes. Sequências como a morte da menina Maria no lago e a morte do irmão de Victor Frankenstein foram retiradas da cópia comercializada e somente muito tempo depois restauradas ao filme de Whale. A reação do público ainda assim foi bastante forte à história de Mary Shelley. Como Whale não aproveitou muitos elementos do livro original, a história tomou um novo rumo quando Whale foi chamado pela Universal para dirigir “A Noiva de Frankenstein” (The Bride of Frankenstein) em 1935. O resultado foi bem melhor e Karloff está mais a vontade no papel. O sucesso ainda gerou um terceiro título “O Filho de Frankenstein” (The Son Of Frankenstein) dirigido por Rowland V.Lee com Basil Rathbone no papel do filho do cientista e Bela Lugosi como Ygor, o pastor que usa a criatura como seu instrumento de vingança. A propósito, nunca existiu nas páginas escritas por Mary Shelley a figura de Ygor, o assistente corcunda do Dr.Frankenstein, popularizado em várias adaptações do livro. A Universal ainda realizaria “O Fantasma de Frankenstein” (The Ghost of Frankenstein) de 1941 com Lon Chaney Jr como o monstro, “Frankenstein Encontra o Lobisomem” (Frankenstein Meets The Wolf Man) de 1943 com Bela Lugosi no lugar de Karloff, “A Casa de Frankenstein” (The House of Frankenstein) de 1944, com o monstro interpretado por Glenn Strange e Boris Karloff aparecendo no papel do cientista. Ainda haveria em 1946 a parodia “Abbot & Costello Encontra Frankenstein” (Abbot & Costello Meet Frankenstein) novamente com Glenn Strange no papel da criatura.

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A NOIVA DE FRANKESTEIN (ELSA LANCHASTER & BORIS KARLOFF)

No final da década de 50, a produtora inglesa Hammer Films iniciou um ciclo de filmes ressucitando os monstros do gênero e começou com Peter Cushing no papel de Victor Frankenstein e Christopher Lee como o monstro em “A Maldição de Frankenstein” (The Curse of Frankenstein) em 1957. A adaptação continua a tomar liberdades com o livro de Shelley, mas a caracterização da criatura possui outro visual já que a maquiagem original usada por Karloff nos filmes da Universal era patenteada. Apesar das críticas de que o filme fosse muito violenta, a Hammer obteve grande sucesso de bilheteria, incentivando adaptações de Dracula, Lobisomem, Mumia e outros monstros. A obra de Shelley serviria ainda de fonte inspiradora para várias sequências : “A Vingança de Frankenstein” (The Revenge of Frankenstein) de 1958, “O Monstro de Frankenstein” (The Evil of Frankenstein) de 1958, “E Frankenstein Criou a Mulher” (And Frankenstein Created the Woman) de 1966, “Frankenstein Tem de Ser Destruído” (Frankenstein Must Be Destroyed) de 1969 e “Frankenstein & O Monstro do Inferno” (Frankenstein & The Monster From Hell) de 1974. No mesmo ano em que a Hammer Films encerrou o ciclo, o comediante Mel Brooks dirigiu a melhor paródia do gênero com Gene Wilder fazendo um descendente de Victor Frankenstein que recria a criatura (Peter Boyle). O resultado foi “O Jovem Frankenstein” (Young Frankenstein), uma bela homenagem à versão de James Whale, incluindo utilizando o mesmo maquinário do filme de 1931 que Brooks conseguiu adquirir. Entre o final da década de 60 e a década seguinte, a obra de Shelley foi revivida constantemente na Tv seja pelo desenho da Hanna-Barbera “Frankenstein Jr” , um super herói ou como um simpático pai de família atrapalhado, rebatizado de Herman na sitcom “Os Monstros” (The Munsters), interpretado por Fred Gwynne.

Frankenstein 1995

O MONSTRO DE ROBERT DE NIRO

MARY SHELLEY  NOS ANOS 80 & MAIS

O Brasil teve seu própria versão do monstro na forma de um divertido curta-metragem realizado em 1986 por Eliana Fonseca e Cao Hamburger: “Frankenstein Punk” recria em animação a experiência do cientista e o nascimento da criatura que termina saindo pelas ruas e … imitando Gene Kelly ao som de “Singin in the rain”. O curta foi exibido com sucesso em Gramado e no Festival do Rio em que venceu como melhor curta. A década de 80 ainda teve “A Prometida” (The Bride) de 1985 que trazia o cantor Sting como Victor Frankenstein que refilmava “A Noiva de Frankenstein”, trazendo Jennifer Beals (de “Flashdance”) como a noiva. A melhor versão da obra de Shelley, contudo, embora muito subestimada, é “Frankenstein de Mary Shelley” (Mary Shelley’s Frankenstein) de 1995 com Robert De Niro como o monstro e Kenneth Branagah como Victor Frankenstein. O filme foi a primeira adaptação a respeitar a obra original, incluindo, deixando que a narrativa siga desde o começo em flashback com Victor contando sua profana experiência e suas consequências para o capitão de um barco no ártico, para onde Victor perseguira a criatura para destruí-la. O filme foi produzido por Francis Ford Coppola, que a principio também o dirigiria assim como fizera poucos anos antes com “Dracula de Bram Stoker”. Brannagah assumiu a direção e foi duramente criticado como pretensioso, uma avaliação no mínimo equivocada já que manipular o mecanismo da vida e da morte torna seu personagem pretensioso e arrogante ao extremo e Brannagah conseguiu transmitir adequadamente todas as implicações sugeridas no romance original. Ainda tivemos “Frankenstein O  Monstro das Trevas” (Frankensteion Unbound) de Roger Corman, que mistura viagem no tempo à clássica história.

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A VERSÃO DA HAMMER COM CHRISTOPHER LEE

Recentemente teve o péssimo “Frankenstein Entre Anjos E Demônios” (I Frankenstein) com Aaron Eckhart no papel do monstro em um filme que abusa da liberdade poética colocando a criatura de Mary Shelley em um cenário pós apocalíptico no meio de uma guerra entre duas facções de imortais. Finalmente chegamos a nova versão “Victor Frankenstein” que traz James McAvoy e Daniel Radcliff em uma releitura modernizada do livro. A própria Universal já anunciou para breve que refilmará também a história como parte de um universo compartilhado entre vários monstros do gênero. Não fica dúvida que o delírio do cientista no filme de James Whale ainda é relevante; “IT’S ALIVE !”. A obra de Mary Shelley ainda vive.