NASCE UMA ESTRELA – ALÉM DE LADY GAGA

                A história de uma jovem aspirante a atriz envolvida com um astro em decadência em uma gangorra sentimental em que ambições profissionais e realizações pessoais divergem. De Constance Bennet a Lady Gaga, essa história tem sido vista e revista há gerações sempre nos levando a questionar o preço da fama e do sucesso artístico.

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LADY GAGA & BRADLEY COOPER

               A verdade é que desde seus primórdios o cinema já trazia diversas histórias de sucesso e tragédia como em “Hollywood” (What Price Hollywood?) de 1932, dirigido por George Cukor. A história de Adele Rogers St.John, roteirizada por Gene Fowler e Rowland Brown, girava em torno da garçonete Mary Evans (Constance Bennet), que sonha com uma carreira de atriz. Uma noite ela encontra o diretor Maxmillian Carey (Lowell Sherman) que lhe abre a primeira porta para o sucesso. Apesar da forte e leal amizade formada entre Max e Mary, ambos seguem caminhos opostos com Max afundando na bebedeira, enquanto Mary se casa com o advogado Lonny Borden (Neil Hamilton) e se torna uma atriz famosa. Mary chega a ganhar um Oscar de melhor atriz, mas vê seu casamento desabar. O estrelato tão desejado não cala a dor de Mary quando Max se suicida. A autora baseou-se na história real do casal Colleen Moore e John McCormick, além do ator e diretor Tom Forman, que se suicidou após um surto nervoso da mesma forma que o personagem Max Carey, com um tiro no peito. Quatro anos depois o mesmo David O’Selznick (produtor de o Vento Levou”, “King Kong”), que trabalhou para a RKO como produtor executivo de “Hollywood”, decidiu filmar a história extremamente similar de William Wellman e Robert Carson para “Nasce uma Estrela” (A Star is Born) desta vez para sua própria produtora, a “Selznick International Pictures”, irritando a RKO, responsável pelo filme de 1932, que esteve prestes a processar Selznick, mas acabou não fazendo. Quando George Cukor foi chamado para assumir a direção, recusou por ser muito similar ao seu trabalho em “Hollywood”. Wellman asssumiu como diretor e as filmagens começaram em 20 de abril de 1937 com Janet Gayner no papel da aspirante a atriz Esther Blodgett, que se torna a estrela Vicky Lester, papel que Gaynor também viveu em uma adaptação radiofônica. Esta vive um romance com o decadente ator Norman Maine (Fredric March), que se entrega ao alcoolismo a medida que  Vicky chega ao topo da glória artística. Reza a lenda que o casamento tumultuado de Barbara Stanwyck e Frank Fay teria sido a inspiração para o casal Vicky/Norman, mas Wellman baseou-se em suas próprias experiências, e também na carreira de John Bowers, ator do período silencioso que se suiciou depois de ter a carreira arruinada pela chegada do som. Historiadores relacionam o personagem de Norman Maine aos atores John Barrymoore (Avô de Drew Barrymoore) e John Gilbert. Tanto “Hollywood” quanto “Nasce uma Estrela” compartilham o mesmo foco nos sonhos e, sobretudo, nas desilusões dos que nascem e morrem sob as luzes dos holofotes.  Outra história que virou lenda em torno do filme de 1937 é que este traria Lana Turner (estrela na década seguinte) como um dos figurantes, o que a própria viria a negar. Na décima cerimônia de entrega dos Oscars, o filme de Wellman foi premiado pela melhor história original, além de um prêmio especial para W. Howard Greene pela fotografia em cores, um triunfo técnico deste que foi o primeiro filme colorido indicado pela Academia.

A STAR IS BORN 1937

JANET GAYNOR & FREDRICH MARCH 1937

                 Nos anos que se seguiram, a “Selznick International Pictures” se dissolveu e os direitos do filme foram vendidos indo parar nas mãos de Sid Luft, então marido de Judy Garland. Luft conseguiu convencer George Cukor a assumir a cadeira de diretor e fazer dessa adaptação um filme musical com roteiro assinado por Moss Hart. Este triunfou ao usar a música como fio condutor da história de Norman (James Mason) e Vicky (Judy Garland). Uso criativo do Cinemascope, o filme foi preparado para ser o retorno ao estrelato de Judy, que estava há alguns anos afastada das telas depois do fim de seu longo contrato com a MGM. George Cukor, que dirigira “Hollywood” aceitou o cargo, que havia recusado em 1937, conduzindo com seu habitual toque tendo uma filmagem atribulada pelos problemas com sua estrela. Judy, então aos 32 anos, encarnava na vida real os conflitos de sua persona abalada pelos vícios e excessos, mas imprimiu na tela uma atuação pungente, intensa, entoando com sua belíssima voz canções como “The Man That Got Away” e “ Gotta Have me Go With You”. Produzido por cinco milhões de dólares, com esplêndida fotografia de Sam Leavitt, o filme quase teve Cary Grant no papel de Norman Maine, mas este teve receio de contracenar com as inconstâncias de Judy Garland. Apesar do sucesso, Cukor nunca chegou a ver seu filme pronto. Assim que encerrou as longas filmagens, o diretor viajou para a Europa em busca de locações para seu próximo projeto. Nesse meio tempo a Warner cortou 27 minutos de sua metragem original de 181 minutos além de adicionar a canção “Born in a Trunk”. Somente em julho de 1983, a Academia de Artes e Ciências de Hollywood relançou o filme restaurando 19 minutos das cenas não utilizadas, mas Cukor falecera pouco antes. O sucesso de público e crítica levou Judy a ser indicada ao Oscar de melhor atriz mas perdeu para Grace Kelly no que é considerado uma das maiores injustiças da história. Quando a vitória de Grace era anunciada, os repórteres estavam no quarto de hospital em que Judy estava internada, todo o mundo incluindo a própria acreditando no favoritismo, mas enfrentando uma decepção que abriu mais uma chaga no coração da estrela, um sentimento de rejeição que ela nunca conseguiu superar.

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JAMES MASON & A MARAVILHOSA JUDY GARLAND 1954

                   22 anos depois o diretor Frank Pierson recriou “Nasce uma Estrela” trocando o cinema pelo mundo da música. Assim, Norman Maine tornou-se John Norman Howard (Kris Kristorfeson), um astro do rock que se envolve com a desconhecida Esther (Barbra Streisand). A medida que o abuso de álcool e drogas destrói lentamente John, Esther cresce e se torna uma cantora de sucesso. O filme foi um veículo para o talento de Streisand, cuja voz fez de “Evergreen” a melhor canção original pela Academia. A própria estrela teria dirigido algumas cenas devido a constantes desentendimentos com o diretor. Ela queria Elvis Presley para seu co-astro, tendo viajado para Las Vegas para pessoalmente convencê-lo. Com o insucesso das negociações nomes como Mick Jagger e Marlon Brando foram mencionados até a contratação de Kris Kristorfeson, que teve sua atuação apontada como inspirada em Jim Morrisson do “The Doors”, embora o ator tenha negado. Streisand era a estrela de uma outra época, também co-produtora, tomando as rédeas da adaptação como veículo para seu enorme talento, seja atuando ou cantando. Terceira maior bilheteria do ano de seu lançamento, o filme recebeu vários prêmios e indicações, a versão de 1976 ainda foi incluída pelo AFI (American Film Institute) na lista de 100 maiores canções do cinema. Em 2013 ainda houve a versão indiana “Aashiqui 2” feita em Bollywood, chegando a mais de 9 milhões de dólares nas bilheterias ao longo de 4 semanas de exibição.

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KRIS KRISTOFFERSON & A DIVA BARBRA STREISAND 1976

                  A força dessa história é que ela não apenas fez brilhar Bennet, Gaynor, Garland, Streisand e agora Lady Gaga, mas também nos faz lembrar de toda uma constelação que inclui Monroe, Hayworth, Gardner, Hayward, Hepburn e tantas outras que marcaram seus nomes no firmamento Hollywoodiano, vidas que se acabaram, luzes que se apagaram como na letra de João de Barros para “Luzes da Ribalta”, apontando a certeza de que esse ideal renascerá em outros corações.